Enviada em: 27/10/2017

Não ter é igual a não ser         Quincas Borba, personagem de livros do Machado de Assis, é um caso do tratamento da sociedade a pessoas em situação de rua no Brasil. Enquanto era dono de riqueza, despertava empatia, porém, ao perder tudo, significava desconfiança. O comportamento de vincular o ser ao ter se mantém hoje, porque aqueles desprovidos de casa, carro, roupas “adequadas”(propriedade privada) são desconsiderados como cidadãos. Essa marginalização da população de rua tanto normaliza neles todo tipo de violência, como não incentiva o Estado a melhorar a assistência social.               A perda da cidadania começa com a naturalização da violência simbólica na mente das pessoas, segundo o sociólogo Pierre Bourdieu, o que determina a agressão física na rua. Essa truculência abstrata ocorre pelo fato de haver uma imposição de um estigma social na população de rua; nele, todos são drogados, alcoólicos, bandidos. Por isso, tal categorização convence serem eles uma camada social de segunda classe; pior, naturalizam nos próprios estigmatizados a ideia deles terem menos direitos. De fato, eles toleram a violência da polícia, o preconceito nos hospitais, os xingamentos nas ruas. Desumanizados, eles são espancados, atropelados, incendiados sem nenhuma comoção da sociedade.         Por esse contexto, uma sociedade com essa ideologia, de categorizar os despossuídos, tende a eleger partidos políticos indiferentes com esse problema. Em “Capitães de areia” do Jorge Amado, a problemática dos meninos de rua não era vista como crise social, mas como um caso policial. Hoje, mantem-se essa cultura à medida dos prefeitos deteriorarem serviços como albergues e intensificarem ações policiais cujo fim é expulsar quem dorme na rua dos bairros nobres. Como as pessoas absorvem o estereótipo de que todo indivíduo de rua é um assaltante, não há maiores protestos contra a violência institucional aos marginalizados.         Portanto, a violência simbólica e o desinteresse do Estado retiram a cidadania de quem está em situação de rua. As Secretarias de Educação de cada cidade devem alocar em matérias como História, Geografia e Redação o fim da estigmatização dessa população no ensino Fundamental e Médio para que os excluídos sejam vistos como humanos que são pela sociedade. Psicólogos de ONGs que já trabalham em albergues podem oferecer um aprofundamento nessas escolas com histórias do cotidiano desses “moradores de rua”. Assim, a população diminuirá a categorização deles, asfixiando a base dessa marginalização que é abstrata.