Enviada em: 27/07/2018

Na obra "A hora da estrela", a personagem Macabéa é uma espécie de catarse dos sofrimentos vividos por retirantes nordestinos no sul do Brasil, sobretudo em relação ao preconceito linguístico cultural. Apesar de tratar-se de uma obra ficcional, a autora Clarice Lispector denuncia um infortúnio lastimável vigente no Brasil, a questão da discriminação linguística. Tal problemática está intimamente associada aos processo de elitização da linguagem e de uma visão maniqueísta das variações da língua.    Em primeira análise, o arqué da língua é a sua natureza viva, ou seja, ela obedece à noção de Heráclito da fluidez, da constante mudança. Desse modo, ao analisar um país com dimensões continentais como o Brasil, é esperável a existência de centenas de variantes e dialetos, todos  frutos de uma evolução histórica peculiar a cada grupo e cumprindo a função primordial de viabilizar a comunicação inteligível entre os indivíduos. Entretanto, a língua não está imune ao processo de mercantilização característico das sociedades capitalistas, o que faz com que a norma culta seja sinônimo de prestígio social, de acesso à educação. Enquanto isso, as demais variantes, as "línguas do povo" são menosprezadas e estigmatizadas.    Outro fenômeno ligado a esse preconceito é a visão maniqueísta, dualista de certo e errado na comunicação. Assim, sabiamente o linguista Marcos Bagno enfatiza que é preciso valorizar e respeitar as diversidades no comportamento linguístico, logo, pormenorizar alguém por fugir da norma padrão é contribuir para o aprisionamento intelectual dessa pessoa. Entretanto, na contramão desse cárcere linguístico, a escritora Carolina Maria de Jesus, da favela do Canindé, não se intimidou com o preconceito e escreveu "Quarto de depejo", obra que, apesar dos muitos desvios gramaticais, felizmente foi laureada com importantes prêmios da literatura paulistana.    Evidenciam-se, portanto, fatores intensificadores do preconceito linguístico, desafio contundente para a superação das desigualdes A fim de amenizar o estigma sobre a linguagem mais popular, o Ministério da Educação deve inserir, nas escolas, projetos de análise de obras que abordem esse conteúdo ou utilizem variações fora do padrão, a exemplo de Quarto de despejo. Com isso, os alunos poderão entender novos contextos e se despir da visão de certo ou errado na linguagem, adotando, desse modo, uma postura de respeito à diversidade. Ademais, a sociedade esclarecida deve promover um ambiente de tolerância por meio da conscientização, nos contextos cotidianos e com o uso do diálogo, daqueles que ainda realizam assédio linguístico.