Enviada em: 21/08/2019

No artigo denominado "Quando a pobreza toma corpo", publicado pela Universidade Estadual de São Paulo, a cidade do Rio de Janeiro é analisada quanto a discussão sobre seu uso e ocupação. Seguindo os modelos do urbanismo francês, mundialmente conhecido como "Belle Époque", a cidade e seus habitantes vivenciaram um processo de enquadramento e reenquadramento populacional, gerando a expulsão da população de baixa renda dos centros da cidade. Amparados nos modelos impostos pela época, que, em muitos casos, perpetuaram as formas de organização habitacional urbana vivenciadas contemporaneamente. As cidades brasileiras, não somente o Rio de Janeiro, passaram a ter seus espaços disputados pelo valor de troca do mercado, consolidando as profundas desigualdades sociais alicerçadas na sociedade brasileira e a restrição do direito ao uso da cidade.        A paisagem profundamente desigual do Rio de Janeiro, com seus edifícios luxuosos ao centro e as chamadas favelas á margem, como também a impactante imagem de um condomínio de luxo no bairro do Morumbi, em São Paulo, com uma das maiores favelas do país, o Paraisópolis, demonstram o resultado do processo de gentrificação. A cidade como mercadoria, expressando através da especulação imobiliária o seu valor de troca, restringiu o uso da mesma ao poder monetário, deixando a sua margem grande parcela da população, que busca o centro das grandes cidades diariamente em suas jornadas de trabalho e em busca de serviços públicos mais elementares que se encontram, na maioria dos casos, centralizados.        Ademais, em todo território brasileiro, a restrição do uso da cidade deixou profundas marcas. No ceará, durante a seca de 1915, a população sertaneja buscou a cidade de Fortaleza em busca de sobrevivência. O governo do Estado do Ceará, entretanto, visando afastar a população pobre do centro da cidade, encaminhou os retirantes para moradas aos arredores da cidade, formando assim os conhecidos centro de concentração de Alagadiço, tamanho foi o genocídio que se deu neste espaço. Como afirma o geografo David Harvey: "Estamos construindo cidades para investir, e não para viver."       Em síntese, a tomada da cidade pelo poder especulativo e monetário, em diferentes recortes temporais evidenciam um problema. A maneira com que grande parte da população vê-se excluída do meio urbano e das prestações de serviço público existente nos mesmos, demonstra uma urgente ineficácia quanto ao acesso e uso de seus direitos. É necessário que o poder público federal interfira, com penalidades monetárias e incentivo a programas habitacionais que visem uma maior diversidade entre classes de moradas no centro urbano, democratizando assim seu uso e ocupação. O valor de uso da cidade é fundamental para que se construa uma cidade funcional.