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Enviada em: 11/09/2019

A persistência do “jeitinho” na sociedade brasileira pode ser interpretada de duas maneiras: enquanto corrupção nas relações entre o indivíduo e o Estado; e como argumento de que a corrupção é o maior problema do país, isto é, a persistência da ideia de “jeitinho”. Este texto propõe tratar do segunda maneira, em especial, busca demostrar a importância de entender o “jeitinho” e outras interpretações do Brasil enquanto construção intelectual. Para isso, o objetivo é expor o argumento de dois pesquisadores que tratam do modo de ser da sociedade brasileira: o historiador Sérgio Buarque de Holanda e o sociólogo Jessé Souza.      É certo que o livro Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque foi o primeiro a propor a corrupção como traço histórico e cultural da sociedade brasileira. Esse traço é chamado pelo autor de “patrimonialismo”, ou seja, uma confusão entre o público e o privado característica dos “detentores das posições públicas de responsabilidade”. O patrimonialismo, por sua vez, advém das relações familiares de uma sociedade arcaica em que a família, e suas relações constitutivas, é hipertrofiada a ponto de substituir o próprio Estado em diversas situações. Tais relações familiares, assim, definem-se pela prevalência de “contatos primários”, ou melhor, “laços de sangue e do coração” que são transpostos para as relações entre indivíduo e Estado. Logo, cria-se entre a sociedade e o Estado brasileiro um “funcionalismo patrimonial”, em vez de uma burocracia objetiva como em outros países.        Todavia, diante desse argumento da corrupção endêmica do Estado, Jessé Souza formulou outra interpretação do modo de ser brasileiro. Para ele, a narrativa do patrimonialismo serve apenas para colocar os recursos públicos nas mãos de estrangeiros que, supostamente, não levariam a corrução em seu "DNA" social. Dessa maneira, o sociólogo opõe-se ao argumento de que o “jeitinho” seria o maior problema do país. Segundo entrevista dada por ele à Revista Época em agosto de 2018, nossa maior questão é a desigualdade. Pois é uma permanência da sociedade escravista que, através do ódio de classe, criou uma situação de subcidadania e subocupação para os mais pobres, a medida que conserva o privilégio para as classes médias e altas. Em suma, o desenvolvimento social e econômico não se realizou no Brasil devido ao projeto arcaico pautado pelo ódio aos "de baixo".       Em vista disso, é possível entender o “jeitinho” na sociedade brasileira não mais como traço natural, mas como construção intelectual dos séculos XX e XXI . Cabe ao MEC, então, pautar no ensino básico  as interpretações correntes do país, por meio da criação de um curso interdisciplinar de formação de professores com o título “Intérpretes do Brasil”. Espera-se que a capacitação teórica e metodológica dos docentes dê instrumentos de crítica aos alunos frente à opinião pública.