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Enviada em: 05/08/2018

No Brasil, alguns debates perdem a natureza racional e ganham aspectos emocionais e de natureza religiosa. Entre esses temas, encontra-se a discussão sobre a descriminalização do aborto, um verdadeiro tabu nas diversas camadas sociais do país. A polêmica gira, inicialmente, na discussão sobre o direito à vida deste novo ser em confronto com a liberdade da mulher sobre seu próprio corpo.     No que se refere aos direitos do feto, a maior polêmica está na interpretação do início da vida. No tocante aos direitos civis, a lei brasileira considera vida a partir do nascimento daquele ser, portanto parece um contrassenso criminalizar o aborto como se fosse a retirada de uma vida, cuja existência o Estado desconsidera. Há uma mistura visível de conceitos, sob o viés cultural e religioso dos legisladores que as criaram. Trata-se de uma difícil discussão pois nem a ciência é unânime. Para alguns , a vida começa no momento em que há a concepção de um ser , através da junção de gametas , com genótipo diferente de seus pais e com suas próprias características. Para outros , é quando se iniciam os pulsos elétricos. Ainda outros, como o filósofo americano - Peter Singer-que acredita que a vida começa na autoconsciência, o que pode nunca ocorrer, nem ao nascer.      Se a discussão sobre o início da vida intrauterina é polêmica, mais complexo ainda é discutir sobre o direito da mulher sobre seu próprio corpo. Histórica e culturalmente submissa, precisa vencer seus próprios preconceitos ao assumir que a gestação é indesejada. Socialmente, as meninas são criadas para serem mães, antes de ser mulher. Optar pela realização de um aborto exige um esforço solitário e extremo e já é uma violência contra si mesma, portanto, não é uma atitude indiscriminada, como alegam os "defensores da vida”. Não se trata também de ter ou não apoio do Estado pois , os 22 milhões de abortos anuais, segundo a OMS, estão distribuídos nas diversas classes sociais do mundo , entre mulheres com bom nível de escolaridade, casadas e com outros filhos. A diferença consiste na forma em que são realizados os procedimentos: as mulheres com melhor nível econômico possuem suporte médico enquanto, as mais pobres, colocam suas vidas em risco em procedimentos incorretos e sem amparo médico especializado, levando a muitas mortes e a um alto custo para a saúde pública, pois o aborto realizado dentro dos padrões corretos é menos oneroso que tratar um mau procedimento.     Se os números demonstram que o aborto continua sendo realizado no país e não há um consenso em relação ao início da vida intrauterina, a alternativa é descriminalizar para que mulheres possam realizar procedimentos sem o risco de morte para as mulheres. No tocante às questões éticas, religiosas e culturais que envolvem o tema, o livre arbítrio é a melhor ferramenta individual, para mulheres e médicos, cabendo a cada um a opção de realizar ou não a interrupção de uma gravidez.