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Enviada em: 05/09/2018

Conforme advoga o historiador Eric Hobsbawn, no século XX, ocorreu uma profunda revolução moral e cultural. Basta lançar um olhar atento por sobre a realidade, para perceber que, ao observar como, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o Brasil realiza mais de 1 milhão de abortos inseguros por ano, essa mudança não conseguiu romper a relação entre o Estado brasileiro e a Igreja, visto que, apesar de laico, o país não legaliza completamente o aborto, devido às tradições religiosas. Nesse sentido, é fundamental não só questionar como a religião influencia nessa questão, mas, também, analisar os efeitos sociais trazidos pelos abortos não assistidos.   Em abordagem inicial, constata-se que a legislação do Brasil, ao contrário da de muitos países desenvolvidos, só considera o aborto legal, em casos de risco para mãe, de estupro e de anencefalia, posto que a legalização sem restrições é dificultada pela presença forte da religião nas diferentes esferas governamentais. Nessa lógica, o olhar agudo de Hobsbawn atesta haver realidade marcada pela continuação da interferência de crenças no poder do Estado. Vale ressaltar que, além das instituições interferirem no Legislativo, elas dão assistência em vários hospitais públicos brasileiros, o que, não raro, pode significar mau atendimento nas situações de abortamento, inclusive permitidos. Dessa forma, percebe-se que a questão do aborto no Brasil perpassa obstáculos complicados.   Outro aspecto, a ser abordado nessa discussão, é o fato dos efeitos sociais dos abortos não assistidos serem graves, tornando-se um problema complexo de saúde pública, uma vez que várias mulheres morrem, sendo essa a quinta causa de mortalidade materna no país, segundo a CFF. Nessa lógica, é possível considerar como sustentáculo argumentativo o alerta do sociólogo Zygmunt Bauman. Conforme o pensador polonês, os atores sociais da pós-modernidade vivenciam tempos líquidos, em que nada foi feito para durar. Isso significa que até a relação estabelecida entre governantes e governados se tornou frágil. Aliás, é justamente em função disso que os interesses da população continuam sendo negligenciados. Afinal, a ausência do Estado corrobora o quadro preocupante.   Diante desse cenário, é imperioso enfrentar os desafios da questão do aborto no Brasil. Posto isso, cabe ao Legislativo estabelecer como meta o cumprimento da laicidade, a partir da desassociação da religião às esferas públicas, com o propósito da religiosidade não interferir nos aspectos legais do país. Outra ação, sob tutela do Ministério da Saúde, deve priorizar o desenvolvimento de programas de apoio à mulher, por meio do oferecimento psicológico e salutar especializado na situação do aborto, a fim de que essas pessoas não sejam abandonadas no processo. Com essas intervenções, espera-se que a brutal realidade, apontada por Hobsbawn, possa tornar-se mais humanizada.