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Enviada em: 12/10/2018

Para o filósofo iluminista Kant, “a liberdade é a propriedade de agir independentemente de qualquer causa externa dominante”. No entanto, na prática, isso não ocorre, tendo em vista os constantes casos de violência obstétrica no país e sua crescente naturalização nas condutas e rotinas hospitalares. Esse quadro de agressão verbal, sexual e psicológica contras a parturientes é fruto, principalmente, de raízes históricas e socioculturais que contribuem para a persistência da problemática.    Segundo a História, a mulher brasileira sempre foi ignorada em seus desejos, cerceada de sua liberdade, e teve seus direitos civis e políticos amputados até menos de cem anos atrás. Nesse sentido, há décadas a obstetrícia se apoderou do parto e do nascimento, legitimando-os como processos patológicos que necessitam de controle e intervenção. O tempo fisiológico da mulher se tornou um inconveniente que, para os médicos, deve ser corrigido, além de “desorganizarem” o planejamento hospitalar. Desse modo, em virtude de um endeusamento social e ausência de formação humanitária por parte dos obstetras, além de ideários patriarcais de médicos homens, muitas mulheres tem sofrido com intervenções desnecessárias e violentas, como cesáreas, analgesias e uso de fórceps sem consentimento, o que, além de serem infrações éticas, deixam marcas físicas e psicológicas na mulher.     Ademais, é válido ressaltar que esse tipo de tratamento abusivo é intensificado em grávidas socialmente mais vulneráveis à discriminação, como pobres em geral, solteiras, adolescentes ou usuárias de drogas. Tal quais as rochas sedimentares, a problemática possui construção lenta e gradual, consolidada através do tempo. Sob essa ótica, os pré-julgamentos pela equipe profissional que deveria dar assistência e, no mínimo, demonstrar respeito à paciente, mostram a persistente discriminação da sociedade com as camadas mais desfavorecidas e destituídas de informação. Exemplo disso são frases como “na hora de fazer estava bom” e “o que adianta explicar o procedimento? Você não vai entender nada”, entre outros tratamentos grosseiros, piadas e chacotas. Essas situações, apesar de comuns, não devem ser encaradas como naturais ou aceitáveis.      Tendo em vista os fatos elencados, infere-se que a violência obstétrica é um mal para a sociedade brasileira e deve ser erradicado. Para tanto, o Estado deve criar espaços eficazes para o recebimento de denúncias contra esse tipo de violência, além de capacitar profissionais das áreas social e médica para dar assistência psicológica às mulheres que passarem por essas situações. Ademais, a mídia deve, em horários e veículos de comunicação de grande alcance, promover campanhas de conscientização da sociedade acerca da importância de prestar queixas de violência obstétrica. Pois, como dito por Edmund Burk: ''para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens não façam nada''.