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Enviada em: 24/03/2019

Rudyard Kipling, em "Mogli, o Menino-lobo", conta a história de um menino que, adotado por uma loba, cresce sem ter contato com nenhuma forma de educação humana, tendo, posteriormente, inadequações na convivência em sociedade. Longe da ficção do conto, a educação indígena no Brasil encontra impeditivos que convergem para uma das contradições mais perversas de uma sociedade em desenvolvimento, o que se deve a fatores como negligência estatal e dificuldade na conciliação de culturas distintas. Assim, convém analisar as vertentes que englobam essa inadmissível realidade e as possíveis soluções para a formação de indivíduos divergentes aos do clássico romance de Kipling.          Em primeiro plano, é indubitável que a falta de desvelo do Estado esteja entre as causas do problema. A esse respeito, de acordo com o filósofo Zygmunt Bauman, algumas instituições -dentre elas o Estado- perderam sua função social, mas conservaram sua forma a qualquer custo. De fato, o mínimo amparo governamental no que se refere à educação acadêmica a grupos, supostamente, isolados como os indígenas, vai de encontro a preservação da cultura nacional, na medida em que o contato com a língua para essa cultura, por meio da educação escolar, assegura não só a plena comunicação  de seus membros, como também favorece a transmissão de saberes específicos dessa etnia. Assim, o cenário atual reflete um ambiente de descaso que potencializa a formação de meninos-lobo, sem uma educação coerente para a vida em sociedade.            De outra parte, é válido ressaltar a dificuldade na formação educacional indígena, tendo em vista a especificidade de tal contexto. Nesse sentido, o currículo básico para tais tribos remanescentes deve abranger o que é próprio de sua cultura, como os costumes e tradições que recuperem suas memórias históricas e enfatizem suas identidades étnicas, bem como aspectos que deem suporte à sua relação com a realidade do mundo moderno e sua interação com os demais setores do tecido social. Tal prática de formação intercultural deve assumir um programa bilíngue que favoreça essa intersecção de culturas distintas, o que, de fato, evidencia-se como um dos principais desafios para a educação autóctone, pois pressupõe uma estrutura educacional flexível e de investimentos consideráveis.           Para que se reverta esse cenário problemático, portanto, fica a cargo do Ministério da Educação, em parceria com universidades com cursos da área pedagógica, a formulação de diretrizes curriculares para a capacitação de educadores aptos a trabalharem relacionando as duas culturas, bem como o direcionamento de recursos para a criação de materiais didáticos interculturais, a fim de facilitar a educação e a transmissão de saberes. Quem sabe assim, poder-se-á transformar uma sociedade desenvolvida socialmente, longe de contradições perversas que envolvam a formação de meninos-lobo.