Materiais:
Enviada em: 05/08/2018

"A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável". A citação do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau explicita com exatidão os desafios para o tratamento de dependentes químicos no Brasil, visto que estes são negligenciados em todos os estágios do processo de compulsão por drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas: desde um Governo que pouco se empenha para a resolução dos casos até a indiligência do próprio no que concerne à reintegração social do ex-usuário, o que torna necessária, portanto, a tomada de medidas para resolução do impasse.    Difundido como um dos princípios básicos da Constituição Federal, o direito à saúde, em tese, é assegurado igualitariamente a todos e independe da realidade socioeconômica do indivíduo. Nota-se, no entanto, uma acentuada omissão estatal no que tange ao tratamento de usuários de substâncias psicoativas, tendo em vista que este não é garantido gratuitamente a todos, não obstante o exorbitante crescimento de abuso de drogas na hodiernidade brasileira: segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), houve um aumento de cerca de 34 mil internações por consumo de drogas ilícitas ao ano. Isso demonstra de modo ainda mais veemente, portanto, como a Constituição de 1988 garante um princípio que, na prática, não se preocupa em cumprir, o que se configura como sintomático empecilho frente ao pleno exercício da cidadania.    Ademais, o filósofo francês Michel Foucault afirmou em sua obra "Vigiar e Punir" a importância do acompanhamento do egresso até sua efetiva recuperação e transformação de seu comportamento. De maneira análoga, tal perspectiva também é válida sob o viés da recuperação do dependente químico, posto que, mesmo em eventuais casos em que o usuário consegue sair desse quadro, não obtém o apoio necessário para reintegrar-se no meio social. Isso se dá seja pela ausência da oferta de empregos, seja pela falta de suporte alimentício nos primeiros meses, o que não só coíbe sua ressocialização como, ainda, o torna propenso a retornar à condição em que antes se encontrava.    Mediante o supracitado, fica clara a imprescindibilidade de uma iniciativa interministerial entre os Ministérios da Saúde e da Justiça: o primeiro deve certificar o tratamento dos dependentes químicos no Sistema Único de Saúde (SUS), com médicos e psiquiatras que realizem seu supervisionamento semanal, visando o zelo da saúde física e psíquica da vítima. Ainda, cabe ao segundo o desenvolvimento de ações afirmativas nas empresas e em concursos públicos, com reserva de 10% das vagas a esse grupo, que tenham como finalidade a reinserção do cidadão no mercado de trabalho. Desse modo, o tratamento de dependentes químicos enfrentará menos desafios, o que, por fim, provará que a citação de Jean-Jacques Rousseau não se aplica de forma absoluta à realidade brasileira.