Em 1954, pela primeira vez na História, um órgão humano era transplantado em Boston, nos Estados Unidos. Dez anos depois, esse procedimento médico chegava ao Brasil. Após mais de seis décadas, hoje o Brasil é o segundo país em que mais se realizam transplantes. Apesar de ser muito em números absolutos, relativamente à "fila de espera" isso é uma porcentagem baixa. Tal discrepância ocorre pois muitos doadores em potencial não doam, normalmente por desinformação da população, e muitos órgãos doados são "desperdiçados" por falta de infraestrutura hospitalar. São mais de quarenta mil pessoa na fila de espera, mais da metade esperando por rins, e - ainda que esse número esteja subindo a cada ano - houve apenas cerca de três mil doares em 2016, segundo dados do Sistema Nacional de Transplantes, o SNT. Na grande maioria dos casos, os órgãos são doados por pessoas que tiveram morte encefálica, e apenas a família pode autorizar a doação, mesmo contrariando o desejo da pessoa em vida. Disso decorrem dois problemas: o primeiro é que, segundo pesquisa do SNT, cerca de 64% dos entrevistados desejavam ser doadores, mas apenas 39% já conversaram com a família sobre isso, ou seja, falta diálogo; além disso, é comum a família nem ao menos autorizar o "desligamento dos aparelhos" por crer que o paciente ainda "voltará", dentro de um viés religioso, ou ter medo de que o corpo seja desfigurado pelo processo. Além de as doações serem escassas, muitas não são efetivadas por falta de infraestrutura hospitalar - 92% delas são realizadas pelo SUS. Segundo dados da Central Nacional de Captação de Órgãos, cerca de 70% dos órgãos são desperdiçados: metade das mortes encefálicas não são anunciadas pelos hospitais à Central, e vários órgãos se tornam inutilizáveis ou por erros no manuseio ou por demora no transporte. Isso porque, como apenas cinco estados brasileiros contam com aeronaves exclusivas para o serviço, o comum é que órgãos sejam transportados em vôos comerciais ou, raramente, por aviões da Força Aérea Brasileira, a FAB. Como toda essa expectativa gerada por uma grande "demanda" e pouca "oferta" cria um grande mercado negro de órgãos no Brasil, além do caráter humanitário, a maximização da qualidade da doação de órgãos é necessária também para combater o tráfico deles, um crime que avilta a dignidade humana. Para isso, é necessário uma maior discussão do tema pela sociedade, com a desmistificação de vários pontos, por meio de mais campanhas de conscientização feitas pelo Ministério da Saúde. Ademais, é preciso uma melhora na logística do transporte de órgãos, o que deve ser feito a partir da criação de unidades específicas FAB pelo Governo Federal em cada estado do país, de forma integrada, para que o transporte de órgãos seja feito não mais "de carona", mas em caráter de urgência e de prioridade.