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Enviada em: 13/05/2018

A apropriação cultural não configura um intercâmbio de culturas. Antes, contribui para a mimetização dos famosos versos de Chico Science, em que "o de cima sobe e o debaixo desce". Ela, em verdade, perpetua desiguais relações de poder e está amplamente coadunada com a indústria da moda. Desse modo, qualquer ideia de troca equilibrada de valores cai por terra ante a realidade do encobrimento de uma cultura por outra. Um exemplo disso pode ser percebido no polêmico uso de turbantes por mulheres não negras.       O poeta americano B. Easy entregou para a sociedade o alerta de que "a cultura negra é popular, mas os negros não são". Para entender a apropriação cultural, é necessário olhar para o sujeito agente no uso de dado objeto ou na adoção de determinado comportamento. Uma despretensiosa pesquisa no Google revela a profundidade da questão. Ao digitar as palavras "turbante feio" na ferramenta de busca, uma série de imagens de mulheres negras com a vestimenta aparece como resultado. De outro lado, ao trocar a expressão para "turbante bonito", o que desponta é uma enxurrada de mulheres brancas portando a mesmo acessório.        Com isso, resta claro que a discussão tem relevância social e política, tampouco se esgota com os apelos ao direito à liberdade de expressão, discurso este que a indústria da moda tanto tenta emplacar a fim de justificar a monetarização dos bens imateriais dos diferentes povos. Em se tratando do caso em destaque, a situação fica ainda mais delicada com o desdobramento do significado religioso do turbante para a comunidade negra. Não é exagerada a afirmação de que a atual presença dessa indumentária na cultura brasileira em muito se deve à resistência da força negra. Até o ano de 1930, era costumeiro arrancar o turbante das cabeças dos praticantes do Candomblé. Dessa forma, hoje, quando uma mulher branca o exibe, ela, imediatamente, o transforma em um "inofensivo" item exótico (continua não sendo bonito) da moda e enfraquece, ainda que de maneira inconsciente, o conteúdo político desse signo, que permanece "feio", se usado pelos seus originários donos.       Em resumo, a discussão exige profundidade e não se quer, com ela, eliminar qualquer possibilidade de interação multicultural. O que interessa é estimular a formação de uma consciência coletiva quanto ao uso simbólico dos elementos de uma cultura, bem como inaugurar uma crítica ao discurso da liberdade individual propagado pelo capitalismo, tendo em vista que o que está em disputa é a identidade de um povo. Enfim, para enfrentar a prática da apropriação cultural, vozes políticas e minoritárias precisam se mostrar vivas e, em destaque, na mídia e em outros espaços de poder, com o intuito de alertar sobre os perigos das entrelinhas das atuais e futuras negociações simbólicas de dominação.