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Enviada em: 24/09/2017

Aos saltinhos       Machado de Assis, em contraposição aos modelos literários deterministas e românticos dos quais foi contemporâneo, concedeu espaço único às personagens femininas de suas obras, dotando-as de complexidade singular. Séculos mais tarde, contudo, ainda é observável no Brasil a presença de noções extremas, que ora idealizam a atuação das mulheres, ora denotam olhares negativos sobre o que estas representam. Diante de um status quo que insiste em criar barreiras a tal segmento coletivo, dar enfoque  crítico ao tema é crucial.       Antes de tudo, faz-se fundamental analisar os contextos formadores da problemática em questão. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, apresenta, em obra póstuma, o conceito de retrotopia, isto é, a idealização utópica do passado. Dessa forma, a ideia do pensador mostra-se aplicável à desigualdade de gênero contemporânea: é comum a persistência da valorização de períodos em que a negligência pública quase que legitimava o nivelamento da figura masculina em posições superiores. Consecutivamente, o segundo plano feminino favoreceu a permanência de preconceitos e da falta de oportunidades em ciclo nocivo.       Em consequência à antiga mácula patriarcal no país, a violência em suas diversas manifestações - física, moral, psicológica e sexual - revela-se como fruto de construções sociais. Para a estudiosa Simone de Beauvoir, "torna-se mulher", posto que a convivência com a coletividade e a educação incutem, desde cedo, a noção de papeis coercitivos às meninas. Munido de associações de deveres maternais, contidos e estéticos à mulher, o indivíduo encontra facilidade em reproduzir a violência simbólica, caracterizada por "piadas" e estereotipação velada, que fomentam as insistentes discriminações.       Assim sendo, ficam evidenciados os entraves psicossociais responsáveis por tolher o pleno exercício dos direitos femininos. Nesse sentido, escolas e famílias devem ser aliadas no ensino, a longo prazo, do respeito a todos e da aversão à discriminação, através de diálogos, dinâmicas e palestras de personalidades que lutam contra o preconceito. ONGs podem, com o apoio da mídia, promover campanhas que deem espaço físico ou virtual à discussão da violência contra a mulher, incentivando denúncias de casos e o aprendizado. O caminho rumo à equidade é longo, mas deve ser percorrido como Capitu, personagem feminina de Machado de Assis, o faria: devagar e "aos saltinhos".