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Enviada em: 21/03/2019

Destoante da realidade ideal, no Brasil, embora as regras normativas busquem valorizar e dignificar a liberdade de culto, a intolerância religiosa permanece presente no cerne da sociedade. Nesse sentido, parte do problema está direta e intimamente ligado à incompreensão do indivíduo acerca da fé do próximo, naquilo que Gandhi ousou definir como a incapacidade de aceitação da inevitabilidade anímica do ser. Desse modo, cria-se um cenário caótico no qual uns, no exercício da sua pseudosoberania, subjugam a crença do outro em um ato covarde e de vilipêndio a dignidade humana e em desrespeito à liberdade individual -- um direito fundamental dentro da lógica da democracia.    Nessa perspectiva, esse cenário de desafeto mútuo, motivado vergonhosamente por divergência de crença, esteve presente em todos os períodos da história da humanidade, desde o código de Hamurabi na Mesopotâmia até os conflitos entre árabes e judeus na Palestina contemporânea. Sendo assim, observa-se que a insapiência é a responsável precípua por reverberar no tempo essa realidade distópica, indo de encontro a máxima do historiador francês March Bloch segundo a qual "a ignorância do passado não se limita a prejudicar a compreensão do presente, compromete, no presente, a própria ação". Por isso,vê-se a perpetuação desse problema em função da incapacidade individual em perceber os erros dentro de si, o que resulta na sua externalização e no seu consequente conflito.    Ademais, com a ultravalorização dos seus preceitos pessoais, fechando-se os olhos para a possibilidade de outras perspectivas, desenvolve-se no tecido social uma tensão alarmante em razão da criação de um cenário polarizado com a qual a lógica da entropia física se alinha: o sistema tende à desorganização e ao total colapso. Nesse viés, o escritor romancista Milan Kundera, em seu aclamado livro A insustentável leveza do ser, alerta para esse perigo quando afirma que "o extremismo delimita a fronteira além da qual a vida acaba" e, de fato, atitudes delinquentes e irrazoáveis culminam, por vezes, na morte de pessoas inocentes, atingindo, assim, o ápice da mediocridade humana.     Destarte, a intolerância religiosa é uma realidade detrimentosa que assola o Brasil e para a qual medidas devem ser pensadas se se quer mitigá-la. Para isso, o Estado, na figura do Ministério do Desenvolvimento Social, precisa investir em meios de acolhimentos de denúncias para a efetivação de uma ação específica, dentro dos limites da justiça brasileira, ao criar secretarias nos estados cuja função será receber as queixas de vilipêndio à fé e designar às autoridades competentes o trabalho coercitivo ou os trâmites processuais, com o fito de valorizar os princípios democráticos de respeito à liberdade de culto. Dessa forma, distanciar-se-á do extremismo citado por Kundera e, aos poucos, aproximar-se-á da capacidade de aceitar a inevitabilidade anímica do ser como bem lembra Gandhi.