Patriarca social "O Peru de Natal". Assim Mario de Andrade, autor do modernismo brasileiro, intitula um de seus contos, cuja história se organiza ao redor de uma família que passaria a primeira festividade longe do falecido e rígido patriarca. Da mesma forma que o jovem da narrativa luta para atenuar a pesada memória do pai, a pós-modernidade trava batalhas intensas contra os fatores preocupantes das multifacetadas relações familiares. Simplificadas em uma dicotomia, as noções acerca desse grupo ora revelam sua importância em sociedade, ora demonstram a urgência de revisão de conceitos problemáticos intrínsecos. Para que a questão seja compreendida, faz-se crucial que a função mais básica desses núcleos sociais seja colocada em discussão. A família é elemento que mantém relações diretas com a cultura, uma vez que funciona como primeira coletividade e cria ambiente de socialização inicial. Dessa forma, como qualquer elemento que envolve vários indivíduos, seus conceitos não são estáticos e variam com a alteração do espaço geográfico e com a passagem do tempo. Transmissora de valores e noções essenciais à convivência, a família age como preparadora e promove espécie de "ensaio" para interações futuras, exteriores e mais complexas. A emergência de novas estruturas familiares, dessa maneira, apenas ratifica a necessidade de posições esquecidas hoje: compreensão e respeito. Hannah Arendt, estudiosa do século XX, aponta a relação entre educação familiar e política: após a queda de regimes totalitários na Europa, os indivíduos perderam noções de autoridade, fator que refletiu nas crianças. Contemporaneamente, é possível identificar diversas problemáticas que criam os chamados "déspotas mirins" - resultados da inversão literal dos valores da clássica hierarquia familiar -, figurando a falta de limites e a inserção precipitada de crianças no mundo adulto. Outra questão advém da característica superficialidade atual, que, somada à individualidade, renega a propriedade fundamental da família. Assim sendo, fica claro o impasse que cerca tais grupos sociais. Torna-se, pois, fundamental que a escola atue no ensino das diversidades culturais e familiares, por meio de trabalhos, debates e palestras interessantes. ONGs podem promover campanhas inteligentes, que estimulem o senso crítico e a negação de preconceitos, em parceria com a mídia. A problemática que acompanha os núcleos familiares é complexa e sua resolução, lenta. Engajamento coletivo e comprometimento, contudo, podem ser os primeiros passos para que a luta contra o "patriarca" de sólidos obstáculos sociais, representados por Andrade, seja, enfim, vencido.