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Enviada em: 06/09/2017

O "novo" descortinado       Lima Barreto, importante autor do pré-modernismo brasileiro, escreve, em 1920, a crônica "Queixa de defunto". Nela, o escritor versa, de forma irônica, sobre como a infraestrutura precária das ruas do Rio de Janeiro mandou um cidadão humilde e contido social e publicamente, após sua morte, ao inferno. Embora ficcional, a obra tangencia uma problemática que insiste, quase um século mais tarde, em ser realidade no Brasil: o deslocamento urbano e todas as limitações sociais que o acompanham. Posicionar, pois, tal impasse em questionamento crítico faz-se essencial.       Antes de dar início à análise em questão, é primordial compreender os aspectos formadores do contexto observável. A industrialização brasileira , além de tardia e substitutiva à agroexportação cafeeira, foi concentrada no sudeste do país, fator que estimulou migrações em massa e incentivou investimentos na valorização urbana. Dessa maneira, tais reformas - conhecidas como "gentrificação" - foram responsáveis por alterar o perfil social dos núcleos centrais e impelir a população menos abastada a deslocar-se às periferias, onde está distante de serviços, lazeres e empregos. Processo catalisado por construções sociais, políticas e econômicas, os ambientes citadinos transfiguram-se em espaços em que o elemento determinante é único: o capital.        A macrocefalia urbana implica entraves diretos em todas as esferas em sociedade, e as interações coletivas que destas derivam acentuam problemas antigos. A maior parcela dos cidadãos brasileiros precisa, paradoxalmente, percorrer longas distâncias e despender gastos vultuosos com transportes diários para cumprir atividades rotineiras. A classe média, por sua vez, costuma ignorar questões ambientais ao optar por locomover-se em veículos que carregam uma só pessoa. O desafio pós-moderno avoluma-se quando se atenta às dificuldades enfrentadas por portadores de deficiências físicas que  deslocam-se pelas ruas do país: a falta de acessibilidade parece ser inerte, apesar de nada latente.       Assim sendo, ficam evidenciadas as complexidades das relações entre indivíduo, mobilidade nas cidades e meio ambiente. Nesse sentido, escolas e famílias devem ser aliadas no ensino, a longo prazo, da importância de aquisição de hábitos conscientes no convívio coletivo e no manejo da natureza, por meio de debates, pesquisas, diálogos e excursões a espaços afetados pela ação antrópica. ONGs podem unir-se à mídia em prol da divulgação de campanhas inteligentes e engajadas, que estimulem, por exemplo, as caronas e a pressão do poder público por investimentos em acessibilidade. Pensar em soluções para o deslocamento urbano no Brasil não é utopia, posto que identificar a existência de problemas é o primeiro passo para descortinar novas realidades.