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Enviada em: 04/09/2017

Noções ultrapassadas       "Felicidade Clandestina", conto escrito pela pós-modernista Clarice Lispector, versa sobre as crueldades de uma personagem para com uma das colegas, a quem enganava prometendo emprestar livros. Na obra, a "menina má" é descrita como "gorda" já nas primeiras linhas e parece exercer seus sadismos por insatisfação com sua aparência. A realidade contemporânea não difere do contexto literário: parte significativa da população brasileira ainda sofre com o excesso de peso e os entraves que o acompanham. Discutir, pois, sobre a temática faz-se fundamental e urgente no período vivenciado.        Antes de debruçar-se à análise da obesidade presente no país, é essencial entender seus aspectos originais. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, teorizou a "modernidade líquida", status quo em que a fluidez do tempo implica a adoção de hábitos que correspondam a noções facilitadoras. Dessa forma, a alimentação desregrada é reflexo direto de construções sociais, políticas e econômicas consolidadas rapidamente. Além disso, é possível destacar as alterações nas relações familiares e seus efeitos na contemporaneidade. Pensadora alemã, Hannah Arendt, apontava para a relação entre a alienação do indivíduo no espaço público e a perda de autoridade dos pais com os filhos. Assim, estes, acostumados à excessiva autonomia a que estão submetidos, tomam decisões sobre a própria alimentação, optando por refeições prazerosas e industrializadas, fator que provoca graves consequências.       Os incômodos físicos são apenas metonímias da problemática formada: a obesidade desencadeia diminuições vertiginosas de autoestima no indivíduo, o que, consecutivamente, abre margem a problemas psicossociais, manifestados por isolamento crescente. Crianças ficam à mercê de bullying escolar e jovens e adultos, de discursos de ódio, principalmente virtuais. Casos mais extremos são evidenciados pelo desenvolvimento de depressão, que, aliada a doenças como hipertensão, diabetes e sobrecarga hepática, deixam claro que o impasse não é individual.        Assim sendo, fica exposta a urgência de aquisição de novas posturas críticas e participativas. Nesse sentido, escolas e famílias devem trabalhar em conjunto, de maneira a estimular o respeito a todos e a adoção de hábitos saudáveis, através de pesquisas, diálogos e elaboração de cardápios divertidos e equilibrados. O poder público precisa, a curto prazo, fiscalizar os espaços virtuais, aplicando as leis quando casos de crime e preconceito contra o peso dos usuários forem identificados. Por fim, ONGs podem desenvolver campanhas engajadas, que desafiem seus adesores a mudar cotidianos físicos e alimentares. O caminho a ser trilhado contra a obesidade é longo, mas a união social pode tornar as teorias de Bauman e Arendt e a história de Lispector, ultrapassadas.