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Enviada em: 09/09/2019

Em 1988, Ulysses Guimarães promulgou a Carta Magna e estabeleceu que o direito à saúde deveria ser garantido a todos. Entretanto, a dificuldade de impor limites entre o erro médico e a responsabilidade criminal mostra que a promessa de Guimarães está distante de ser a realidade no país. Com efeito, há de se combater a omissão do Estado e a cultura de supervalorização do bacharel.    Em primeira análise, a inércia estatal representa um obstáculo à efetiva cidadania. A esse respeito, John Locke - filósofo do século XVIII - estabeleceu o conceito de Contrato Social, segundo o qual o indivíduo cede a sua liberdade e o Estado, em contrapartida, deve garantir direitos aos cidadãos. Ocorre que a democratização da saúde não é uma realidade brasileira, uma vez que o limite entre um erro médico e um crime não é amplamente discutido, o que é degradante e impossibilita os cidadãos de recorrerem à justiça quando necessário por não possuírem os conhecimentos jurídicos necessários, o que se caracteriza como uma grave mazela e fere a Constituição Cidadã. Assim, enquanto o conceito filosófico estabelecido pelo pai do liberalismo político não for a regra, a cidadania será exceção.    De outra parte, a supervalorização do título de bacharel promove uma maior proteção ao médico do que ao paciente. Em 1899, na obra Dom Casmurro, Machado de Assis denunciou o Brasil como um país fascinado pelo tecnicismo, em que a palavra de um indivíduo que possui diploma de ensino superior é mais significativa do que a palavra de quem não o possui. Desse modo, substancial parcela da população tende a ser silenciada tanto pelo governo quanto pelos profissionais de saúde que agem de maneira equivocada, o que, pela falta do conhecimento necessário, transforma negligências médicas que deveriam ser repudiadas em situações banais e desestimula a busca por direitos fundamentais, como o reparo jurídico por um erro médico. Logo, enquanto a denúncia de Machado de Assis se mantiver, o Brasil será obrigado a conviver com um dos mais graves problemas para a população: o desconhecimento do limite entre o erro médico e a responsabilidade criminal.     É notável, portanto, que a omissão do Estado e a supervalorização do bacharelado influenciam na dificuldade que parte da população tem em diferenciar erros de crimes. Para mitigar esse problema, é necessário que o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça atuem de maneira sinérgica, com urgência, de forma a promover aulas interdisciplinares sobre os direitos e deveres dos cidadãos em instituições de ensino, palestras sobre a diferença entre erros e crimes em locais públicos e a melhoria na educação pública. Essas iniciativas teriam a finalidade de tornar o ensino superior mais acessível a todos e, assim, romper com a supervalorização do bacharel e formar cidadãos mais conscientes acerca dos que lhe é fundamental e capazes de compreender a diferença entre errar e cometer um crime.