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Enviada em: 29/05/2017

Fiscais da Língua Seja a placa com o plural não indicado, seja um comentário nas redes sociais escrito às pressas, ou simplesmente o sotaque peculiar dos moradores de uma região interiorana, o fato é que diversas situações corriqueiras do dia a dia são, com frequência, duramente reprimidas por atitudes opressoras cunhadas no mais profundo e nocivo preconceito linguístico, prática que, como atestam os ameríndios, há muito se enraizara em nossa cultura. Antes de tudo, é preciso apontar que o preconceito linguístico, ironicamente, nasce de um enorme desconhecimento acerca dos mecanismos e da natureza da própria língua portuguesa. Na ânsia de se autoproclamarem "bons falantes", como aponta o linguista Marcos Bagno, os "fiscais da língua" parecem ignorar a existência de variedades regionais, sociais e, sobretudo, situacionais que, em conjunto, inviabilizam a uniformização do idioma, passível de existir somente no mundo das ideias de Platão. Além disso, é de se atentar à supressão da essencial diferenciação entre língua escrita e língua falada. Como é sabido, o português apresenta para alguns fonemas inúmeras representações gráficas, o que dificulta sobremaneira a articulação ortográfica por parte de indivíduos desprovidos de formação plena, mas que nem por isso tornam-se rudes com relação à língua pela qual pensam e falam. Mostra-se, portanto, indispensável a adoção de medidas que visem combater ativamente esse grande atraso cultural vigente no Brasil. De um lado, autoridades de ensino devem agir em prol do preparo adequado de professores de língua portuguesa conscientes e capazes de por fim à replicação indevida de padrões estigmatizadores; do outro, a sociedade civil tem a obrigação de reagir a atos preconceituosos, inclusive constrangendo publicamente aqueles que se valem de um anacrônico purismo gramatical para rebaixar a dignidade da pessoas pessoa humana.