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Enviada em: 28/10/2018

O fenômeno dos "rolezinhos", que ganhou destaque na imprensa brasileira nos últimos anos, gerou bastante polêmica entre comerciantes e frequentadores de shoppings. Os encontros de jovens, em sua maioria moradores da periferia, foram vistos por algumas pessoas como uma tentativa de perturbar a ordem dos centros comerciais. Para além das preocupações com a segurança dos consumidores, também é possível analisar a restrição a esses movimentos como um reflexo da segregação dos espaços e, consequentemente, das classes sociais no Brasil. Esse problema também se manifesta no grande déficit habitacional que afeta o país, bem como na organização socioespacial das cidades.       O filósofo iluminista francês Jacques Rousseau se tornou célebre por uma frase a respeito da origem da desigualdade no mundo. Para ele, esta teria surgido quando o primeiro homem ousou cercar um pedaço de terra e, chamando-o de seu, encontrou pessoas simples o suficiente para acreditar nele. Apesar de estar garantido na Constituição de 1988, a propriedade privada é um direito condicional, ou seja, apenas é válido caso a referida propriedade estiver cumprindo sua função social. Tal determinação não se verifica na realidade brasileira, em que 6,9 milhões de famílias não tem casa para morar sendo que 6 milhões de imóveis encontram-se desocupados (Censo IBGE - 2010). Esse déficit habitacional contribui para uma segregação cada vez maior da população pobre, que se vê obrigada a pagar aluguéis abusivos e se estabelecer em regiões desprovidas de infraestrutura adequada para habitação.       Além disso, existem problemas próprios das cidades que acabam agravando a situação de separação espacial das classes sociais. Um deles é a gentrificação, que corresponde à expulsão de famílias mais pobres de um determinado bairro como resultado da especulação imobiliária naquele local. Ao saírem de seus locais de origem, essas pessoas acabam ocupando regiões ainda mais periféricas. Por outro lado, também existe a auto-segregação de grupos de elevado poder aquisitivo, que preferem habitar locais altamente protegidos como os condomínios fechados, em resposta principalmente à violência urbana. Esse locais seguem a lógica dos chamados enclaves fortificados e, assim como os shoppings, também servem para reforçar a exclusão social.       Diante dos problemas apresentados, faz-se necessário que os governo municipais, estaduais e federal tomem medidas no sentido de fazer cumprir o direito às cidades por meio de investimentos na integração dos modais de transporte público. Além disso, é fundamental que a sociedade civil se organize em movimentos sociais que pressionem o poder público a cobrar as dívidas tributárias de propriedades abandonadas, a fim de reabilitá-las e destiná-las para a habitação de famílias sem-teto. A democracia se faz com a convivência com o diferente e, portanto, não combina com a segregação.