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Enviada em: 11/09/2017

Árdua mudança       O conto "Nossa amiga", de Carlos Drummond de Andrade, é um retrato confuso e conflituoso das relações entre adultos e crianças, no qual o autor demonstra o uso que aqueles fazem das fabulações como estratégia de convencimento destas, a fim de equilibrar interações. Fora da literatura, a persuasão às esferas infantis continua sendo realidade no Brasil - assumindo, entretanto, roupagem mais externa e coercitiva: a midiática. Em um contexto em que o consumo é regulador das configurações em sociedade, a discussão da temática torna-se essencial.        Para compreender os impasses atuais de fato, faz-se necessário que se estabeleçam correlações de causas e efeitos, que parecem ser cada vez mais dinâmicas e concomitantes com o transcorrer do tempo. De acordo com Hannah Arendt, filósofa alemã, a alienação do indivíduo no espaço público alterou profundamente as lógicas familiares e entregou excessiva autonomia às crianças. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, debruçou-se, por sua vez, à teoria da "modernidade líquida", que pode ser estendida à contemporaneidade e às noções parentais. Ambos os estudiosos corroboram à constatação das nocivas fluidez e superficialidade nas interações de pais e filhos, recheadas por um status quo que prega o materialismo como necessidade desde cedo.        Em uma realidade em que o "não" é ferramenta escassa nas relações familiares, a publicidade indiscriminada ao setor infantil aumenta entraves potencialmente problemáticos. Uma vez que crianças não desenvolveram de forma completa a linguagem, o senso crítico e o discernimento, as propagandas a elas direcionadas usam-nas como meios para que empresas atinjam seus objetivos, o que implica prejuízos em seus desenvolvimentos psicossociais. Além disso, tais práticas incentivam o consumismo, o egoísmo e as desigualdades, borrando, também, futuras noções de responsabilidade social.        Assim sendo, fica clara a complexidade das trocas entre famílias e propagandas infantis. Nesse sentido, escolas precisam ser aliadas dos pais, de forma a estimular o consumo consciente e incutir a necessidade de poder crítico, através de palestras, diálogos, jogos e visitas a ambientes que mostrem as consequências do hábito desenfreado. ONGs podem pressionar o poder público a realizar, a curto prazo, fiscalizações assíduas, que apliquem as leis existentes a possíveis transgressões. A resolução do uso abusivo de crianças para fins publicitários é lenta e árdua, mas determinará mudanças sociais significativas.